TDAH

Distúrbio do déficit da atenção e hiperatividade TDAH

Depois da virada do milênio houve uma proliferação no interesse em se conhecer os processos de atenção do ser humano, relacionando-os com as questões de aprendizagem. Talvez esta seja a patologia mais pesquisada e mais estudada por especialistas relacionados à saúde/educação de um modo geral, como os neurologistas, psiquiatras, psicólogos, psicopedagogos, pedagogos, neuropsicólogos, fonoaudiólogos e outros tantos. E muitos são os motivos para essa “concorrência” de opiniões, que passam pela alta incidência de casos (cerca de 5% da população), por desequilíbrios sociais quanto às questões educacionais parentais, questões de metodologias pedagógicas, velocidade nos diagnósticos e condutas medicamentosas médicas, insumos financeiros laboratoriais, e, efetivamente, evolução da ciência.

Estudos revelam (apud Condemarin et. al, 2004) que em 1902, Still citava um defeito da conduta moral de algumas crianças, que apresentavam agressividade, agitação e desatenção. Os autores Kahn e Cohen em 1934 afirmavam que existia uma base biológica para a hiperatividade, termo que só foi usado na ciência em 1957 por Laufer, mas como não se encontrou nenhum dano cerebral, começou-se a falar em disfunção cerebral, segundo Lefévre et. al., (1978). Desde então muitos pesquisadores se ocuparam de nomear, classificar, normatizar e tratar a patologia, entrando para os Descritores em 1968 (DSM-II) como reação hipercinética e mantendo-se até a versão atual (DSM-IV) como TDAH, com distinção de subtipos.

A definição constante nos DesCS é: “Um transtorno comportamental que tem origem na infância e cujas características essenciais são sinais de desatenção inconsistentes com o nível de desenvolvimento, impulsividade e hiperatividade. Embora muitos indivíduos tenham sintomas tanto de desatenção como de hiperatividade-impulsividade, um ou outro padrão podem ser predominantes. O transtorno é mais frequente em indivíduos do sexo masculino do que feminino. O início se dá na infância. Os sintomas geralmente são atenuados no fim da adolescência, embora uma minoria experimente o quadro completo de sintomas até o meio da idade adulta.”

Dentre os autores que reconhecem a patologia como real, há consenso que possui etiologia neuroquímica e genética, sendo mais observada no sexo masculino (1 para 3), com inúmeros trabalhos publicados por Barkley (1982); (Anastopoulos e Barkley, 1998), falando de problemas com a atenção, controle de impulsos e domínio da conduta, e Barkley atualmente edita um valioso manual para diagnóstico e tratamento (2008). Também Condemarin et al. (2004), em uma obra póstuma, nos dá enormes contribuições de fácil acesso sobre o tema, em um livro recheado de práticas terapêuticas e condutas para pais e professores, que abordam o TDAH de maneira simples, detalhando bastante suas comorbidades (patologias associadas).

A maioria dos autores salienta que o TDAH deve ser diagnosticado por neurologista e/ou psiquiatra, assistido por equipe multidisciplinar composta por psicólogo, psicopedagogo e fonoaudiólogo, e quando não tratado vir a interferir na continuidade escolar, podendo configurar-se como um transtorno específico de aprendizagem. Embora o acesso aos meios de comunicação e informação na mídia esteja cada dia mais simples, com a oferta de múltiplos sites de pesquisa na área da saúde, é importante que se tenha cautela quanto ao diagnóstico precoce ou amador. Os pais mais ávidos comumente chegam ao consultório com todos os questionários e quesitos preenchidos dando-nos indícios, aparentemente seguros, da presença de um quadro instalado de TDAH em seus filhos, e quando não, em si mesmos. São coerentes em suas respostas e, por vezes, assistidos pela conivência das escolas e familiares. Um profissional experiente respalda, sempre, suas hipóteses diagnósticas em evidências clínicas, que em se tratando de TDAH, nem sempre são cientificamente comprovadas em exames quer sejam laboratoriais, quer sejam elétricos ou por neuroimagens.

Ainda as pesquisas não são conclusivas em relação ao uso assertivo de qualquer exame ou teste estandardizado para diagnosticar TDAH. Mas pesquisas atuais sobre o fluxo sanguíneo cerebral, atividade elétrica cerebral, testes neuropsicológicos e estudos de neuroimagem apontam para a comprovação neurológica de alterações nas áreas pré-frontais do córtex cerebral (frontal-estriatal-cerebelar, Barkley, 2008), ligadas aos portadores de TDAH. O uso da ressonância magnética funcional (IRMf) revela que nos casos diagnosticados, a rede pré-frontal direita está menos desenvolvida, ou assimétrica em relação à esquerda (Castellanos et. al, 2002). Os estudos neurobioquímicos mostram níveis mais baixos do neurotransmissor dopamina em regiões críticas do cérebro, mas ainda não totalmente confirmadas para ser garantida sua etiologia. Por outro lado não foi desenvolvida nenhuma pesquisa de peso sobre a hipótese social ou ambiental atrelada à etiologia do TDAH. O que se sabe é que a condição genética de TDAH, dada a alta incidência em familiares próximos, pode ser exacerbada por complicações na gestação e pela exposição a toxinas, enquanto que as questões psicossociais podem atrelar-se mais aos transtornos associados ao TDAH (Barkley, 2008), como veremos mais adiante. Encontram-se na literatura autores que atrelam alterações nas funções neuropsicológicas executivas (Lazar e Frank, 1998; Bental e Tirosh, 2007, 2008); problemas com a inibição comportamental (Condemarin et al. 2004); alterações elétricas em potenciais evocados de longa latência no ouvido P300 (Schochat et al., 2002; Johnstone et al., 2001), falhas no processamento auditivo, dentre outras.

No entanto é consenso que qualquer exame utilizado é complementar à avaliação clínica propriamente dita, e deve ser usado como auxiliar no diagnóstico, e nunca de maneira definitiva. Isto é válido, uma vez que vemos indivíduos que possuem alterações nos exames supracitados e não são TDAH enquanto outros que efetivamente são TDAH e não possuem os mesmos exames alterados. Portanto, nada é definitivo até os dias atuais, além de profissionais experientes e conscienciosos para uma criteriosa avaliação.

Geralmente o tratamento do TDAH é medicamentoso acompanhado de terapia psicológica, psicopedagógica e/ou terapia ocupacional, todas com ênfase comportamental-cognitiva. Há estudos atuais envolvendo linhas psicoterápicas como psicodrama e sistêmica. Schwartzman (1992) aconselha tratamento medicamentoso a partir de sete ou oito anos de idade, para conter a atividade exacerbada no período escolar, além de não estressar a criança com vários tratamentos concomitantes, que devem ser priorizados. Goldstein e Goldstein (2000) recomendam o uso controlado da medicação, atentando-se aos efeitos colaterais, e lembram que os problemas da hiperatividade não podem ser curados, mas sim controlados, sendo os pais muito importantes no trabalho de orientação. Atualmente ainda os psicoestimulantes são os fármacos mais receitados e comprovadamente ativos para o controle dos sintomas do TDAH. No Brasil, o metilfenidato (nome fantasia Ritalina e Concerta) é o remédio mais ministrado, tanto para crianças como adolescentes e adultos, com doses e dosagens variadas. Sendo um psicoestimulante, atua diretamente nos mecanismos da atenção, aumentando o autocontrole e observância a regras.

Assim, temos visto atualmente, médicos receitarem metilfenidato para patologias afins, isto é, que têm os processos atencionais envolvidos no seu desempenho acadêmico e performance profissional, como síndromes com déficit cognitivo, paralisias cerebrais com condutas alteradas, dislexias, pacientes em stress por exames e outros casos sem patologias. Ao nosso entender, essas condutas requerem investigação e cautela, uma vez que em se tratando de medicação controlada e um psicoestimulante, possui efeitos colaterais e somente deve ser usada por um médico especialista que responda pelo caso, com reavaliações periódicas.

A nossa conduta clínica preconiza os pressupostos de que, assim que fechada a hipótese diagnóstica de TDAH, em se tratando de criança, orientar a família e a escola no sentido de se aumentar e adequar as condutas educacionais relacionadas a limites, com o estabelecimento de regras mais estreitas e delimitadas com reforços positivos e/ou negativos. No caso de adultos, a mesma conduta é adotada, levando-se em consideração o grau do transtorno e prejuízo na qualidade de vida. Conforme o caso, iniciamos o atendimento psicopedagógico ou outro necessário por cerca de um mês, sem o uso da medicação, na intenção de se observar os resultados aos novos comandos comportamentais cognitivos oferecidos. Caso a criança e/ou adulto não respondam satisfatoriamente à terapêutica adotada, reencaminhamos para o médico, com a sugestão de tratamento medicamentoso, acompanhando também seus resultados.

A contribuição mais recente nos estudos sobre TDAH tem se enveredado na terapêutica medicamentosa atrelada à avaliação neuropsicológica, envolvendo funcionamento executivo¹ em especial a memória de trabalho (imediata). Também novas classificações e subtipos estão sendo propostos, como o TDAH – TCL (tempo cognitivo lento), e os avanços após liberação pela FDA (Food and Drug Administration), em 2003, da atomoxetina (nome fantasia Strattera), como a primeira droga aprovada para controle do TDAH em adultos, crianças e adolescentes, sem aprovação para o território brasileiro até o momento. Ainda, neste início de milênio, as tendências apontam para o estudo do TDAH associado a outras patologias – as comorbidades -, que trataremos em sequência.

No Brasil grande polêmica se gerou em função dos altos índices de diagnósticos e medicação encontrados nas crianças ainda em ensino fundamental, e algumas na educação infantil, atribuídas com TDAH. Basicamente a controvérsia apontada gira em torno de diagnósticos precipitados, equivocados, pais desinformados e falsos especialistas, que acabam por ser “aparentemente” beneficiados com o uso da medicação. Supostamente todos ganham, médicos e laboratórios aumentam a clientela, pais não se preocupam tanto com o trabalho que a educação de uma criança requer, educadores controlam os alunos mais difíceis com maior facilidade, etc., etc., mas é óbvio que qualquer generalização neste sentido é totalmente equivocada. Aliás, parece que fugir dos problemas, arrumando outros, têm sido a tônica da geração de pais atuais e, nesse quesito, os sociólogos e psicólogos ainda terão muito que pesquisar e estudar nas próximas décadas.

O trabalho sério, com uma equipe qualificada e em sintonia, atualizada e responsável, que baseia seus pareceres em exames, evidências e experiências clínicas, acaba sendo a saída para as famílias e adultos que vêm procurar auxílio. Recebemos uma enorme demanda de pacientes, que se julgam portadores de TDAH, por sugestão de amigos, leituras informais ou programas de televisão, que vêm em busca de soluções mágicas para seus problemas, muitas vezes, somatizados por stress e uma vida descontrolada. Parece inacreditável, mas em minha experiência clínica, de cada 10 pacientes com “suspeita” de TDAH, sete são frustros, isto é, apresentam outras alterações, ou mesmo não têm qualquer tipo de patologia diagnosticável ou passível de tratamento. Portanto, os pré-julgamentos devem ser evitados.

Mas é importante que o leitor nunca se esqueça de que todo profissional ligado à educação deve ser parceiro, colaborar no diagnóstico e tratamento, passando informações aos profissionais responsáveis, sobre o comportamento da criança. A comunicação entre os profissionais do caso, a troca de informações pertinentes que possam contribuir para o sucesso acadêmico e psicossocial daquela pessoa são fundamentais. Queixas e críticas deste ou daquele profissional não levam ao crescimento nem colaboram para que o sofrimento amenize, nem que a evolução se proceda.


Cada um tem o seu papel e contribuição a dar. E nunca se esqueça de que não existem equipes perfeitas! Aprendamos todos, juntos.

¹ As funções executivas consistem em processos responsáveis por direcionar e gerenciar habilidades cognitivas, emocionais e comportamentais, como a capacidade de tomar iniciativa, selecionar alvos relevantes à tarefa e inibir ações ou estímulos conflitantes, planejar e prever estratégias de solucionar problemas complexos, alterando-os de modo flexível frente às mudanças ambientais (Cypel, 2007; Mattos; Saboya; Araújo, 2002, apud Moojen, 2009).